terça-feira, 2 de setembro de 2008

O dia de hoje e aquele dia...

Hoje, dia 15, meu primogênito fez 8 aninhos.

Exatamente a essa hora, quase 22 h, ele estava nascendo. Eu vim correndo de enterrar minha avozinha, que por muito pouco, não viu o rostinho do bisneto.
Meu pai chorava de perder a mãe; e ria de ganhar um neto, o primeiro neto dos oito que ele tem agora.
Hoje o Leonardo acordou com um bolinho que levamos para ele na cama.
Tadinho, ele tem sido compreensivo. No dia dos pais, eu estava em Campinas, e hoje, Rejane está chorando baixinho no seu curso de Psicanálise em São José dos Campos... O Leonardo já havia me dito na semana passada: "Que vida triste essa, quando você já tiver se aposentando, papai, eu já terei crescido; e não poderemos brincar mais! Aí eu que vou trabalhar, e você vai ter que brincar com meus filhos..."
O Leonardo é muito sensível e ligado. Ele reflete e se abisma: sofre com o terremoto na China, com a violência no Rio, a poluição em Sampa, a sujeira no calçadão da praia, com as crianças atiradas das janelas, com os andarilhos na rua, com os velhinhos definhando, com o irmão-caçula quando adoece.
Ele se descabelou de chorar no velório do peixinho que morreu lá em casa, e foi enterrado no vaso de planta, em reverente cerimônia familiar.
"Onde está o peixinho, Leonardo?" - eu perguntei quando cheguei à noite!
"Ele tá no céu, papai... Nadando nas nuvens com Jesus".
Meu mais novo é mais "pé no chão", meio agnóstico: "Não tá não, pai!!! É mentira... O peixe tá aqui num saco todo enterrado na planta da mamãe. Vem ver, pai!!!!"
- ele dizia babando de gosto com o sadismo delicioso das criaturas de 3-4 aninhos.
Ontem, por exemplo, meu aniversariante foi dormir assustado com um incidente que me ocorreu, ao chegar em casa à noite.
Fim do dia, eu gosto de voltar andando do consultório até minha casa... exausto, grato e reflexivo vou caminhando e cantando... O caminho da clínica a minha casa é curto. Mas passo em frente a um beco escuro, onde ontem cruzei olhares breves e profundos com um jovem descabelado encostado à sombra da parede na ruela.
Entrei em casa, e logo depois fui chamado para fora, devido a gritaria de transeuntes na rua, que flagraram o moço descendo a pedrada no meu carro, que estava parado em frente a minha casa. Fui a rua. Não vi ninguém mais. Avisaram-me que ele estava no beco. Fui até lá para saber do que se trata.
Quando cheguei chegando, demos de frente um com o outro. Ele tentou fugir, eu o chamei com voz firme, ele voltou submisso e cabisbaixo, resmungando. Quando fui inquiri-lo acerca do que havia feito, já que o carro estava com a lataria do porta-malas toda furada dado ao apedrejamento sucessivo e violento, olhei bem nos seus olhos e só então o vi, só então o enxerguei, só aí o percebi...
Era um moço perturbado, obviamente esquizofrênico. Esquizofrenia de verdade (não essa sua, e nem a minha). Esquizofrenia clínica. Entendi tudo: Ele me viu cruzar sua toca, a caverna onde se esconde das alucinações que o espreitam todo tempo, e daí, a visão do uniforme branco (muito branco!) deve tê-lo assustado e provocado mil viagens de aflições persecutórias: Internações psiquiátricas, injeções pós-surtos, enfermarias, cheiros, gostos, faixas de contenção, agulhas, invasão, sedação, solidão...
Ele esperou que eu entrasse em casa. Saiu do beco com uma pedra imensa, e conforme testemunhas, foi até meu carro - que ele sabia que era meu - e o apedrejou sucessivas vezes. Depois correu de volta a sua Gadara existencial, fugidio.
Eu pensei: "Se ele atacou o veículo, uma representação de mim, pode vir a atacar um filho ou minha mulher... " Ou pode empurrar para dentro do canal (moro em frente a um dos famosos canais de Santos) algum passante desgraçadamente vestido de médico.
Chamei a família. Gente sofrida. Sem dinheiro. Tanta impotência. Explicaram-me que ele cresceu sadio até os 16 anos, desde quando o quadro psíquico foi se revelando e adensando. Agora ele tem 23 anos. Não estuda, não trabalha, pouco fala, não quer escutar, vaga pela noite, sem destino, dorme de dia, tem medo do mundo, tem mais inimigos invisíveis que os evangélicos da batalha espiritual. Não está medicado, nem acompanhado... é um nada, um ninguém jogado, vive no planeta Terra, mas não habita a dimensão da lucidez que caracteriza os humanos. Senti pena. Muita pena...
E de longe, a tudo observando com os olhos arregalados, estava meu filho Leonardo.
Hoje ele acordou muito cedo por causa de um pesadelo, pulou na minha cama; oramos juntos:
"Pai, obrigado por esse meu filho, que foi dormir com 7 aninhos e acordou com oito!
Obrigado porque ele é muito saudável e forte e inteligente. Que seja um dia de aniversário muito lindo! Amém!"
Daí ele me indagou:
- Papai, aquele moço de ontem é doente da cabeça? Tem muita gente assim? O que ele fez para ficar assim?
- Filho, ele não tem culpa de ser assim; por isso o papai não brigou com ele. Ele não sabe o que faz. E eu não sei porque ele ficou assim. No mundo tem coisas boas e tem coisas ruins, mas Deus cuida de tudo e no final vai dar tudo certo, tá bom?
- Pena que o mundo é assim...
- Porque o mundo é assim... desse jeito, Leonardo, você preferia não ter nascido?
- Não, papai. Eu gostei de ter nascido, eu quero viver nesse mundo assim mesmo!
Meu filho quer viver.
Meu filho, parabéns para você! Sua geração será a mais suicida de todas, e amaldiçoará o dia de seu nascimento. E, ao contrário do moço alucinado, sofrerá de excesso de lucidez, do excesso de alucinógeno, de hiper-vigilância, de alta desconfiança, de frenesi, tensão, concentração, ranger de dentes civilizados, pensamentos acelerados em cérebros cansados, noites hiper-iluminadas, dores todas medicadas, e muito medo do escuro, medo do mar, medo de tudo...

"Mas, vós, brilhareis como luzeiros do mundo!"
... para iluminar a noite. Até que o Dia amanheça!
Na minha agenda, então, só existem dois dias: Hoje... e Aquele Dia!
"O grande dia em que Tu virás!"
Que meu filho seja filho da minha Esperança!
15 de Agosto de 2008

Marcelo Quintela
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O Caminho é uma pessoa, seu nome é Jesus!
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